No meio de todo este caldo social
que parece prestes a transbordar, só há algo que merece uma pequena
discordância minha. Concordo naturalmente e compreendo mesmo todas as manifestações
que se têm seguido às sucessivas ripadas fiscais e salariais de que os
portugueses têm sido alvo pelo presente Governo. Compreendo e concordo que quem
falhou rotundamente nos seus compromissos ao não conseguir reduzir o défice
como estava previsto e ter falhado todas as suas previsões económicas foi o
actual Governo. Concordo que os portugueses tiveram não apenas agora, mas
sobretudo agora uma paciência de santo para as tais investidas de austeridade
ordenadas por Passos Coelho em função do que o seu Governo fez para alterar a
actual conjuntura. Mas não concordo que se censure apenas o actual Governo ou
que se coloque a tónica do problema nele. Falharam sim, sem dúvida, mas como
antes falhou cabalmente Sócrates, como antes fez trapalhadas Santana, e como
antes fugiram Barroso e Guterres. Defendo sim neste contexto a reprovação de
toda a nossa classe política, pela sua mediocridade, pelo seu lascismo, pela
sua avareza, pela sua soberba e demais pecados mortais. Tivemos uns políticos
que se deixaram iludir pelo poder e suas benesses, outros que nada dele
entendiam mas que foram à boleia por pagamento de fretes, e outros ainda que
estando por “convicção ideológica” em nada contribuíram para elevar o grau de
exigência na governação, fazendo o jogo político que deu azo a esta ebulição
social e descontentamento generalizado. Mas não tivemos políticos com
sensibilidade para aferir do estado da Nação e que soubessem antecipar os
problemas para lhes dar melhor solução. Chamaria a isso visionarismo e estadismo,
algo que temos em grande défice, há muito tempo! E se, confesso, nunca esperei grande
coisa de um garoto recém-formado na “escola do crime” da política, ainda
depositei algumas esperanças no seu parceiro Portas pelo seu passado político.
Mas enganei-me cabalmente. Portas não compreendeu que depois de ter reprovado
conjuntamente com Passos Coelho o PEC 4 de Sócrates e de os eleitores e portugueses
lhes terem dado alguma tolerância para imporem novas medidas de austeridade em
função das periódicas visitas da Troika e do evoluir do quadro económico do
país, a sua (de Portas e Passos) margem de manobra para governarem o país era
nula. Não havia como ou porque falhar. Os portugueses com o 12 de Março de 2011
fizeram um claro aviso à navegação que Coelho e Portas negaram ler nas
entrelinhas. Convenhamos que doravante em ano e meio de governação da coligação
houve demasiados erros, muitos de falta de comunicação, outros de falta de
sensibilidade, outros mesmo de falta de capacidade, que fizeram transbordar o
copo da paciência lusa. Quando Passos Coelho faz a comunicação ao país no
malogrado dia 7, deitou para trás das costas tudo aquilo que tivera corrido mal
com o seu Governo como se os portugueses tivessem de carregar novo fardo sem
barafustar um mínimo de desagrado. Enganou-se e Portas viu a bombar explodir
dentro de casa sem que tivesse ouvido o tilintar do seu relógio. Esqueceram-se
ambos dos casos Relvas, da polémica EDP, do problema das Secretas, do reavivar caso
dos submarinos de Portas, das nomeações políticas, das afirmações mais insensíveis
como aquelas da emigração ou do português piegas, do problema crescente do desemprego,
etc… Ou seja, Portas e Coelho tinham em mãos um já longo historial a juntar aos
constrangimentos sócio-económicos provenientes do mandato de Sócrates para que
de ânimo leve, após se ter tido conhecimento que as previsões do défice
orçamental apontavam para o incumprimento do estabelecido inicialmente, a
anteceder um jogo da selecção nacional pudessem arriscar lançar uma bomba
social como aquela proferida por Passos coelho no fatídico dia com nova dose proferida
por Vítor Gaspar três dias depois. Toda esta retrospectiva marcaria a explosão contestatária
marcada para os dias seguintes.
Compreendo,
dito tudo isto a revolta de todos os compatriotas e mesmo a sinto na mesma de
igual modo. Apenas discuto a alternativa política no momento (não vejo que os
portugueses queiram novamente o PS e nem coloco a questão do PCP ou BE), a
inusitada instabilidade governativa de que temos sido pródigos nos últimos anos
onde os governos não terminam os seus mandatos, ou o risco de partirmos para convulsões
político-partidárias da República velha (Iª República) pelo aprofundar das
tensões entre os partidos e dos consequentes aproveitamentos políticos
retirados dos movimentos populares recentes.
Além de tudo isto,
gostaria que tudo aquilo que temos para exigir a um Governo o façamos agora
obrigando-o a entender o desígnio e a vontade popular. Esperar pela eterna
solução da alternância do poder com os mesmos partidos a repetirem soluções
antigas não nos fará bem algum. Está na hora de os obrigarmos a terminarem os
seus mandatos mas absolutamente escrutinados por nós. Assim se negamos a subida
da TSU, se nos parece inabitável Relvas neste Governo, se achamos que o combate
contra o Desemprego deverá ser mais vincado, se entendemos que Passos Coelho
deve dar um murro na mesa da Troika, deveremos encetar uma cidadania mais
activa e co-responsável com os governos que colocamos no poder. Isto é um
imenso aligeirar das nossas responsabilidades e, ao invés, ao tomarmos o pulso
do país, obrigando, coagindo mesmo o Governo a marcar o seu discurso em absoluto
interesse dos seus cidadãos, obrigamo-lo a ser responsável, patriótico, dinâmico
e criativo. O contrário é um cheque em branco para que possam governar sem rumo
sabendo que o que lhes pode suceder é saírem um pouco mais cedo do que inicialmente
previram. O que quero é sobretudo moralizar a classe política, para que o seu modus operandis se vá toldando para uma
melhor governação no futuro. Sacudir a água do capote, ou melhor, empurrar a
poeira para debaixo do tapete não resolve nada! Por tudo isto é que arrisco
dizer que estas manifestações podem não ser tão inocentes e espontâneas quanto
seria desejável. Mas mesmo assim, no amanhã mandamos nós…
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